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quarta-feira, 25 de agosto de 2010

RETALHOS DE LEMBRANÇAS


acendo um cigarro
na fumaça vejo os teus traços
acendes a mim como eu acendo o cigarro
voltas a queimar-me (indolor)
derretes a pele espessa

na fumaça que traz o teu semblante
observo o teu olhar faminto
a engolir a calma
o que renasce agora, o que faz arder
são retalhos de lembranças

solto um grito calado
teu retorno desafia:
tu me chegas, tu me cegas
aconchega-te em meus traços
que recriam pedaços de passado

na retina que te restaura
a fumaça se esvai, o teu espectro dissipa-se
e sinto resíduos de tua presença
na saudade que te planta novamente em mim

(rosa em mim nascida, eternamente por mim regada).




domingo, 14 de fevereiro de 2010

A PLANTAÇÃO


falo a mim mesmo
que tudo passará
como um vento devastador
sobre a folhagem ressecada
deixando tudo limpo na plantação solitária
em que cultivo pedaços de eternidade

entretanto, quando o sol
acorda as flores no jardim dos meus dias
a tua imagem se reacende
na plantação do meu peito

teu signo incondicional rasga invariavelmente
cada semente jamais plantada
ervas-daninhas germinam
e há uma pedra inquebrável no arado

(na seara, a tua ausência enlouquece).

Livro: "Di-resthus"

sábado, 13 de fevereiro de 2010

NA MADRUGADA


silêncio na madrugada fria
teu cheiro insofismável de mulher
adentra incondicional por entre as frestas

um aroma de sentidos impregna as paredes
e eu te sinto, amor e ódio, no sereno ressecado
que da janela, agora aberta, cai

um fogo lambe os tijolos brancos:
me atordoa o teu vestido novo
pendurado na cadeira carcomida de sentidos

- sobretudo nas madrugadas sombrias de sereno -

sobre a lareira jaz uma foto dos dias idos
(dias marcados para sempre na parede azul da memória)
prédios cinzentos me observam

tenho um quadro impressionista nos olhos
e não há como saber se o vazio será eterno.

Livro: "O espelho quebrado de Alice"

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

FERIDA LÍQUIDA


sarei d'amar-te, a chaga que eu trazia
a doer pela madrugada, a corroer dentro de mim
a viscera doentia que te abrigava
(como ácido ingênuo carcomendo a lógica)
hoje é corte na memória, manancial seco
nos traços que trago nessa correnteza de mágoas

contudo. . . no café da manhã
sinto a acidez abrasar minhas vestimentas
penso, infantilmente, em lavar as roupas
e curar-me de vez de teu jugo que me enfraquece
desligo as lembranças, afago a cicatriz que me atordoa
e mesmo assim o teu perfume distante penetra

como um braço líquido do teu rio caudaloso
que me invadiu para sempre.

Livro: "O Quinto Elemento"

RAZÃO LÍQUIDA


deixa que eu te mastigue
fruta indócil nos dentes famintos
e que a tua dor seja o meu prazer:

há um aceno de mãos na tempestade

(teus olhos estão disseminados
na correnteza que pelos dedos corre
teu corpo é oceano de sombras e cinzas
teu olhar é folha solta nos telhados)

e cada gota que cai refaz em minhas retinas
o teu semblante que não se apaga

meu corpo é um poço profundo
recebe o suor que de teu corpo flui
tuas águas distantes me alagam
verto razão líquida pela boca.

 
Livro: "Poerana"

EL GRITO DEL DINOSAURIO



No oí un tango argentino
Ni comí en las manos de un pájaro;
Un pájaro es una hoja expuesta
Acribillada de vacíos por todos lados,
Un bulto de ceniza, casi blanco,
Está sentado delante del verdugo
Esperando el alimento de los justos;
Hay un grito en las montañas,
En la cumbre de aquel vaso de flores,
En los gestos obscenos de la tarde,
Que abriga a un dinosaurio
Congelado por la rústica luz
De mi pensamiento.

Livro: "Seara de Quase-tudo"

SILÊNCIO ABSOLUTO


entranhado
entre os meus pertences
tudo o que se foi

arde no agudo silêncio
o que ficou
entre essas manhãs passadas

o tempo bateu enlouquecidamente na vidraça
estilhaçou a minha língua
em cacos infindos

cada pedaço de tarde
agora queima
(cada semblante pretérito, cada voz)

ainda rasga a face
ínfimos pedaços de vidro
ocultos nas entrelinhas

que falam alto
nesse silêncio absoluto
que agora pulula.

Livro: "O Espelho Quebrado de Alice"